"Limpar" a Floresta

Tal como em 2018, hoje acaba o prazo para "limpar" a floresta. 
Grosso modo apresenta-se esta "limpeza" como a panaceia para resolver os incêndios florestais em Portugal e isso é, no mínimo, preocupante. Aquilo que for feito poderá, obviamente, ajudar mas não é (nem pode ser até pelos custos) a solução. O principal problema está a ser (e muito bem) combatido - a negligencia e o chico-espertismo que provoca um número elevadíssimo de ignições. 
"Limpar" começa por ser uma prática ambientalmente e ecologicamente errada, com elevado consumo de combustíveis fósseis e com destruição de muitas espécies arbustivas que têm obviamente um papel importante em termos naturais. É, como está fácil de ver, um acto contrário ao que naturalmente floresce e não me parece que seja este o principal problema dos grandes incêndios no país. 
Nos últimos dias surgiram duas notícias que só podem estar relacionadas entre si: uma assegura que “nem a pagar 1.000€ se consegue pessoal para limpar a floresta” e, uma outra, no meio de uma interessante entrevista, que “quem não gerir os seus terrenos terá de os vender”. Se correlacionarmos as duas só podemos chegar à conclusão que, no futuro, haverá uma concentração de propriedade em quem tem dinheiro para o fazer. 
Depois veremos para que servirão as grandes parcelas de terrenos sem grande aptidão agrícola. Depois veremos se não servirão para expandir ainda mais a área de monoculturas florestais de resinosas e potenciar, a curto ou a médio prazo, o risco de incêndios florestais catastróficos. Depois veremos se a não gestão será sancionada com venda ou se haverá tolerância como algumas parcelas do Estado que, fruto do "corte nas gorduras" se viram depauperadas de recursos humanos e materiais fundamentais à sua gestão.
É efectivamente imperativo que se mude a paisagem, que se combata a proliferação de uma floresta de exploração intensiva, com espécies nocivas ao nosso clima, monoculturas de eucalipto, pinheiro e outras, que se devia ir. Proteger a natureza e combater as alterações climáticas em vez dos grandes interesses económicos que promovem a eugenização silvícola. Ainda é com orgulho que se anunciam as "maiores manchas florestais" de pinheiro da Europa e coisas do género. Isto num clima onde estas enormes manchas obviamente tornam possível que apenas num dia ardam 200 mil hectares de floresta. 
Apoios, via PDR e outros, podiam ser usados para alterar isto, para promover zonas naturais, selvagens, com espécies endémicas, mais resistentes, que conservem a integridade dos solos, que potenciem a regeneração e a qualidade dos recursos hídricos, mas raramente o são. Podíamos também aproveitar este desafio para criar novos parques naturais e, também por essa via, criar condições de fixação de populações, de dinamizar um turismo mais ecológico e sustentável. Curioso que quando se pensa em construir uma barragem, com a albufeira associada, esse argumento surge sempre como uma das mais valias. Florestas de folhosas, como o Gerês, Mata da Margaraça e similares não terão potencial turístico e, pese embora possam arder, não serão mais resilientes e não geradoras de potenciais problemas?
Parece que continuamos a descartar os instrumentos de planeamento para combater estas monoculturas e a dispersão urbanística desordenada. A distribuição de construções é anárquica e não responsabiliza quem escolhe e quem autoriza construir em locais de elevado risco de incêndio, tornando impossível (pela profusão de casos) intervir quando o risco se manifesta. Nesses casos, depois, exige-se a bombeiros e Estado, a protecção de tudo e todos (como se fosse possível).
Alguém que escolhe construir uma casa isolada, em local "aprazível", depois exige tudo - redes de água, esgoto, comunicações, iluminação, etc - e até que o vizinho limpe 50m ao redor da sua habitação o que naturalmente lá cresce. O preço do terreno é naturalmente bastante menor porque estes custos não são considerados. Mas é ou não é fantástico que sejam os vizinhos proprietários a ficar com parte significativa destes custos, perdendo rendimento (por menor produção) e obrigam-se a reduzir o risco que outros voluntariamente aceitaram?
Medidas para promover a repovoação do território, de aposta numa agricultura mais consentânea com o nosso clima, de incentivos fiscais para quem teima em não viver na faixa litoral, quase nada.
Sintetizando podemos quase julgar que podemos construir um país asséptico, sem "mato" - essa coisa aparentemente má - e que sem ele for dizimado deixaremos de ter incêndios. Talvez seja melhor cortar todas as árvores e cimentar todo o país. Deixará seguramente de haver incêndios mas somos capazes de ter outros problemazitos.
Talvez se queira levar à prática a metafórica expressão de Tomás Ribeiro: Portugal, "jardim da Europa à beira-mar plantado".

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