18 de setembro de 2021

Circo da Água

Há já bastante tempo que diversas pessoas, entre as quais me incluo, têm alertado para o sério risco de um aumento do preço da "água" depois das próximas eleições. Será que esse risco existe mesmo? E, se sim, qual serão as razões para tal acontecer?

A água é um bem essencial e, para que corra nas torneiras com qualidade, é preciso efectuar investimentos, pagar a pessoas, materiais, etc., e é por isso preciso reflectir o custo nos consumidores finais. Dito isto, há várias formas de cobrar a “água” a quem a consome e tentar equilibrar os custos porque, como todos sabemos, ela é um bem essencial e não pertence propriamente a ninguém sendo, portanto, de todos. 

Quando nos cobram a "água" estão genericamente a cobrar três serviços: a água, propriamente dita, o saneamento (o tratamento dos esgotos para depois rejeição em condições no meio hídrico) e a recolha e tratamento do lixo. 

Para equilibrar contas, racionalizar consumos, protegendo quem não gasta muito e para que ninguém, independentemente dos seus recursos económicos possa ser privado destes bens essenciais, costuma-se organizar os valores cobrados aos consumidores por escalões. Quem consome menos, paga menos por m3. Quem gasta mais, paga mais por m3. Organizam-se então vários escalões (por exemplo quem consome de 1-10 m3 por mês paga um valor, abaixo do preço que custa tratar e distribuir a água, quem consome 10-30 m3, paga um pouco mais, etc.. e quem consome muito, por exemplo 500 mpor dia, paga um valor elevado, maior que o custo, para promover a eficiência ambiental, a poupança dos recursos hídricos e para tornar o sistema sustentável. No caso de Nelas o que temos, para clientes domésticos e outros é o que as imagens documentam.


Estes tarifários são construídos, com os escalões que podem ver, tendo em conta as vendas anuais de água a cada cliente. Agora imaginem que, para beneficiar grandes clientes, daqueles que consomem muita, muita, muita, mas mesmo muita água todos os dias, se arranja uma habilidade e se começa a vender “água não tratada”, proveniente dos aquíferos do Concelho, da Longra, do Areal, por exemplo, e se vendesse essa água a 3 cêntimos o m3. Isso vai criar um desequilíbrio óbvio e os custos do tratamento e distribuição da água vão ser muito superiores ao que a Câmara cobra por essa mesma água. Basicamente tiramos do sistema os clientes que mais pagam, protegendo os que mais têm, onerando todos os outros. Além disto, isto também irá criar um esgotamento dos aquíferos, menos água para todos os outros, poços esgotados especialmente a quem mais perto está. Algo similar acontece com os custos do saneamento, que está directamente relacionada com o consumo de água (não há contadores de esgotos instalados nas habitações).

Ao coeficiente entre o que gastamos com a "água" e o que recebemos, podemos chamar Grau de Recuperação de Custos. Se o que gastamos é igual ao que recebemos temos o valor 1 (100%). Se gastamos mais do que recebemos esse valor é menor que 1 e, no caso contrário, será maior que 1. 

A situação no Concelho de Nelas, segundo a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos) é particularmente desequilibrada. Para o ano de 2019, último ano com dados disponíveis, o grau de recuperação de custos é de apenas 45%, ou seja, a CMN gasta mais do dobro a comprar e distribuir água, do que aquilo que cobra a quem a vende. Para o saneamento a grau é ainda mais baixa, 42%. Existe pois já um desequilíbrio que, em princípio, fará aumentar o custo da “água”. 

Ora por aqui podemos ver qual será a tendência quanto ao custo da "água" num futuro próximo. Mas há mais um “detalhe” que poderá agravar muito mais tudo isto. A CMN, nos últimos anos e fruto dos fundos comunitários disponíveis, praticamente oferecidos às CM, candidatou-se e viu aprovados um conjunto significativo de projectos, cuja a eficiência confirmaremos no futuro, mas que a avaliar pela “Grande ETAR de Nelas” que ainda antes de inaugurada já tinha problemas de construção (e parece que a população de Beijós também não a acha grande obra), poderemos ter no futuro problemas. Estes projectos que, no Ciclo Urbano da Água, representam em oito anos um investimento de quase 7 milhões de euros e uma comparticipação de 5,7 milhões de fundos comunitários, como se pode ver na tabela seguinte retirada do site do Portugal2020.

Tanto investimento são boas notícias, certo? Pois depende. Depende da forma como gastamos o dinheiro, quem são os verdadeiros beneficiários das obras feitas e depende igualmente se honramos os compromissos que assinamos quando vamos buscar o dinheirinho. 

E que compromissos vêm a ser esses? Nestes programas os beneficiários ou cumprem ou comprometem-se a ter um grau de recuperação de custos de 0,8 a 0,9, ou 80 a 90%. Não cumprindo as operações passam a não elegíveis e o dinheirinho pode ter de ser devolvido. Portanto ou a “água” pode subir e muito (falta saber se para todos ou, novamente só para alguns (veja o parágrafo do tarifário lá atrás)), ou há o risco de terem de entrar de repente uns milhões de euros nos cofres da CMN para devolver. Ora há por aí empresas como as Águas de Qualquer Coisa, que estão sempre prontas para juntar mais concelhos ao seu portefólio e depois poder praticar preços tipo os que se praticam no Carregal do Sal. É até uma estratégia mais ou menos velada dos governos, homogeneizar estas questões, fazer na "água" o que acontece na energia eléctrica. Houve até quem já tentasse privatizar a água, como sabemos.

Talvez seja por isso que, este ano, pela primeira vez, a CMN contratou por 5.000€ uma empresa, com a justificação de “ausência de recursos próprios” para fazer algo que todos os anos os seus funcionários faziam – o reporte à ERSAR dos dados relativos à “água” e que determina também o tal cumprimento deste e de outros parâmetros. 

Mas que tudo isto sejam apenas uma possibilidade que não se verifique. Será melhor para todos, naturalmente. Não digam é que não foram avisados. 

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