Estamos em seca e, acabada a campanha eleitoral e as eleições, os telejornais dedicam-se a informar-nos da gravidade da situação. Há pouca água e, caso não chova entretanto e com persistência, teremos um período estival complicado.
Na região tem sido notícia os níveis da
Barragem do Vilar, mais a norte, com níveis anormalmente baixos. Também todos
deverão recordar o que aconteceu em 2017 na Barragem de Fagilde, reservatório
onde é captada a água para consumo humano e industrial para os concelhos de Viseu,
Mangualde, Nelas e Penalva do Castelo, onde foi montada uma operação com
recurso a camiões cisterna, maioritariamente de bombeiros, para tentar repor os
níveis mínimos de água na albufeira (?), enquanto o nosso astro rei se
deliciava a faze-la evaporar.
Começam a surgir apelos das mais diversas
entidades à poupança e uso racional da água, coisa que deveríamos fazer sempre.
Nos últimos anos foi forte o investimento
feito pelo Estado, maioritariamente com recurso a fundos comunitários, no
chamado “círculo urbano da água”, para dotar as comunidades de infra-estruturas
que melhor tratem e armazenem este bem essencial, tão presente e tão escasso, tão
essencial e tão desperdiçado.
No pedaço de território onde habito – a
União dos Concelhos de Canas de Senhorim e Nelas, desde 2017, foram aprovadas
pelo POSEUR/Portugal2020, investimentos de mais de 8 milhões de
euros que corresponderam a um financiamento comunitário de mais de 6,6 milhões
de euros. Investimentos que visavam a construção de várias ETAR, redes de
abastecimento e drenagem, ou construção de depósitos. No meio destas obras
aprovadas está a emblemática (apresentada até como o “rolls royce” das ETAR pelo
anterior presidente de Câmara) ETAR Nelas III, alvo de um investimento de mais
de 3 milhões de euros e com um projecto acessório de quase 1.4 milhões de euros
para “reutilização de águas residuais tratadas”. 4,4 milhões de euros dos
nossos impostos, 856 mil euros dos quais componente nacional assegurada pela
Câmara da União dos Concelhos de Canas de Senhorim e Nelas, para tratar e
reforçar a disponibilidade de água.
Também a triste sina da Ribeira da Pantanha,
que ao longo de mais de uma década foi transformada que foi em canal de esgoto
sem adequado tratamento, desaguando no mondego um líquido cheio de químicos e
espuma, provocando danos ambientais inqualificáveis naquele curso de água, é
conhecida de quase todos. O princípio do utilizador/poluidor - pagador só serve
por estes dias aparentemente para quem utiliza auto-estradas.
Com a construção da ETAR Nelas III,
financiada a 85%, supostamente todo este drama ambiental, que se agrava quando
a disponibilidade de água a montante, como é o caso actual, é menor, deveria
terminar. Um “rolls royce” caro e “eficiente” deveria tratar cabalmente todos
os esgotos, industriais e urbanos e rejeitar água no meio hídrico em perfeitas
condições, já não na Ribeira da Pantanha, afluente do Mondego, mas na Ribeira
de Travássos/Beijós, afluente do Dão. Deveria só que não.
São recorrentes os relatos de uma ribeira
cheia de espuma e ainda neste fim-de-semana, foi observável mais um episódio de
poluição na localidade de Beijós.
Veja-se o vídeo gravado no transacto
fim-de-semana e, ignorante ou não destas questões,
tirem-se as conclusões que, face ao que é visível (e é recorrente) não podem
ser muitas. Como é possível tolerarmos décadas deste
desrespeito ambiental? Como é possível enquanto sociedade afectarmos milhões de
euros para “resolver” problemas e, quando os resultados são os visíveis, não
haver responsabilização por quem decide/projecta/executa/opera, projectos que
não servem para resolver os problemas deviam resolver? Ou essa parte é chata,
uma grande seca, e não vale a pena chatearmo-nos enquanto sociedade? Será que
podemos tolerar amadorismos que para poupar uns tostões nos trazem estas
consequências?