A Senescência do Argumentário

Faz pouco mais de duas semanas que, em mais um episódio de manifesto ódio contra a natureza, a população da Lapa do Lobo acordou sobressaltada com o corte de 21 (vinte e uma) árvores que ladeavam a desclassificada Estrada Nacional 234, que corta a localidade a meio. 

À indignação pronta de muitos, potenciada também por um lamentável acidente com um funcionário da empresa contratada pelo autarca local, o Presidente da Câmara respondeu com um ofício, sem data, sem destinatário, sem assinatura, onde se pode ver ensaiada uma desculpa esfarrapada de que o corte foi um "dilema" de quem tem "o dever de decidir e agir, não bastando opiniões", de quem vive numa "prisão de responsabilidade", mas que mais não serviu para, velada e velhacamente, assumir a responsabilidade do abate.

A táctica de usar argumentos técnicos (falsos ou não) para justificar desejos mais ocultos não é nova. Em 2013, talvez num dos primeiros actos enquanto presidente de Câmara, e para que o terreno da Comissão Vitivinícola Regional fosse visível do Largo do Município, mandou cortar os cedros que por ali estavam há décadas, exigindo, depois, um "relatório técnico" que atestasse a "doença" inexistente das árvores. 

No caso das árvores da Lapa e da sua "senescência", a sua "doença", estranhamente, afectou todas por igual, mesmo quando as fotografias prontamente registadas provam a saúde de pelo menos algumas das árvores. Houvesse real interesse em preservar estes espécimes ou talvez um desejo em as cortar  e nunca teriam sido feito o que se fez todas as árvores, mas somente às que pudessem estar doentes.

justificação surgida, arvorada nos grilhões de uma suposta responsabilidade que o presidente da Câmara diz ter, que o "obriga" a mandar cortar árvores ou sujeitar-se à espada da Justiça, supostamente implacável para com os autarcas que não tratam, lenientemente ou não, da segurança das "suas" populações, não passa de um farrapo. Se assim fosse, houvesse real preocupação com a segurança e qualidade de vida das populações porque razão estranha a acção só se dirige contra árvores em espaço publico? 

A pouco menos de um quilometro do local do insensível abate das árvores, por exemplo, situa-se o nó do IC12 de Canas de Senhorim. Nó que, como se sabe, tem a originalidade portuguesa de ter uma via em perfil de auto-estrada a terminar numa curva ao mesmo tempo que se reduz de duas para uma via com cruzamento. A esta check-list de situações perigosas somamos mais uma que é a falta de iluminação. O nó mais perigoso do IC12 é alem do mais o único que não dispõe de iluminação. Já viram o autarca a exigir a requalificação do mesmo sem ser a reboque de outros? Já viram alguma carta das tão lestas IP (quando se trata de abater árvores) a referir a imperiosa urgência de resolver o problema? Isto num nó que já provou tragicamente, com mortos e muitos acidentes, que precisa há muito muito tempo de intervenção e, ao menos, iluminação? Não, pois não?!




Podemos também referir que não vemos a mesma prontidão das IP em resolver a questão das curvas dos Valinhos, outro ponto negro em termos de segurança, onde apenas colocaram (ao fim de muitas mortes e feridos) uma sintética manhosa e uma pintura de negro tão fina e "adequada" que, está há mais de dois meses (menos de um ano depois de aplicada) cheia de buracos que colocam em risco a vida de quem ali passa. Onde está a prontidão demonstrada em cortar árvores para resolver este problema?

Junto à ETAR de Canas de Senhorim, ali perto da outrora Estação da CP, na estrada que dá acesso à Lapa e ao IC12, há uma ridícula é perigosa curva em lomba, em estrada municipal paga pela ENU e CP, que já provocou mais de uma dezena de acidentes. Já viram alguma referência ou preocupação em resolver esse problema? Já viram o “fino fio entre a responsabilidade e a responsabilidade” a induzir alguma acção para resolver tão premente problema?

E, se nos estendermos ainda mais no tempo, onde está a responsabilidade e a segurança do concelho e das suas populações quando temos a Ribeira da Pantanha, a "fluir" no estado que é do conhecimento de todos, com as implicações que já temos e outras que surgirão no futuro?

O que temos é mesmo uma "senescência" argumentativa, um sacudir a água do capote e uma falta efectiva de visão, de prioridades, dando sempre primazia ao imediato e não lobrigando que vivemos num ecossistema que cada vez mais temos de proteger por forma a não sermos, também nós, dizimados sem apelo nem agravo, pandemicamente ou não. O que temos mesmo é um "fino fio" de responsabilidade técnica, que parte sempre face à vontade despótica de quem manda.

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