Trump ganhou e rebentaram as redes sociais indignadas. Passaram dois dias e a indignação,
combustível dos gostos e comentários, volta a ser comandada pelos Pedros
Guerras desta vida. Como no caso da criança refugiada que deu à costa, morta,
numa praia síria, os mesmos que se indignam com a morte rapidamente se
transfiguram e se aproximam daquilo que veementemente criticavam. Refugiados
sim, mas não no meu “quintal”. Em Portugal, a telenovela do Pedro Dias, em
estreia na RTP3, acelerou o processo. Tudo normal no país que só ao fim de
cinco eleições é que descobriu que Cavaco era um tipo indecente e muito mal
rodeado.
O “outsider”, o maníaco
com discurso protofascista e instigador do ódio lá ganhou as eleições.
Capitalizou do afastamento cada vez maior dos eleitos que não representam os
seus eleitores. Ganhou a quem não tinha como fugir ao epíteto de “insider”. Ao
menos o politicamente correcto parece ter os dias contados. Pode ser que a
hipocrisia diminua.
Há quem diga que esta
vitória até se deve, em parte, a essas mesmas redes sociais e ao famoso
algoritmo do Facebook que exclui do nosso “feed” coisas de que não “gostamos”
privando-nos de uma perspectiva mais alargada do mundo, com contraditórios, em
detrimento de “histórias” potencialmente mais agradáveis, baseadas no nosso
histórico, correspondam elas ou não a alguma verdade.
Hillary
Clinton (47,7%) teve mais votos que Donald Trump (47,5%), quase 300 mil votos,
e eu ainda não vi nenhum dos inúmeros comentadores e políticos que ficaram
indignadíssimos com o governo constitucional de António Costa, que fizeram até
acusações de golpe de Estado e antidemocracia, a opinar sobre esta situação
semelhante. Seria igualmente ridículo de ouvir mas ao menos seria coerente.
Devo estar distraído ou é algum efeito secundário. Só se indignam quando não é
com “laranjas”. Curiosamente São Bento chumbou (por quatro vezes) um governo
que não tinha o número suficiente de “superdelegados” (podemos chamar-lhe assim
em vez de deputados?), pese embora tenha tido mais votos, há exactamente um ano
atrás.