O peculiar presidente da Câmara Municipal de Nelas, farol da “violência psicológica”, brindou-nos esta semana com inflamadas declarações sobre a seca extrema que atravessamos, fenómeno deveras preocupante e que nos deve fazer a todos reflectir.
Tomando a dianteira – talvez amuado por não aparecer a ladear o Ministro do Ambiente ou
o Presidente da República em recentes visitas à Barragem de Fagilde – alarmou o país com a sua ignorância ao declarar que era preciso declarar (ou que tinha declarado?) o “Estado de Emergência”, pois a situação “já o era” e “apenas faltava uma assinatura no papel”. Basta uma simples consulta à Lei 44/86 para entender o porquê de os autarcas de Mangualde, Penalva e Viseu se terem demarcado de imediato destas declarações. Exige que o Presidente da República aja mas ainda não declarou o Estado de Alerta que depende dos órgãos a que preside.
Mas este alarmismo não é coerente com as acções recentes deste peculiar edil – talvez assomado de algum pequeno sentimento de culpa que o leva a tentar sacudir alguma água do seu capote e assim minorar o problema.
Hoje no Público as suas reais preocupações e prioridades vieram ao de cima, tal qual azeite (ou outro qualquer poluidor menos denso) na água – “Está a ver o que é uma empresa ligada ao sector automóvel parar por falta de água?” – Aqui está a prioridade das preocupações do autarca que, pese embora todo o respeito que nos possa merecer, não pode, de todo, ter a prioridade da acção da autarquia.
Diga-se que a empresa referida gasta mais de 500 mil metros cúbicos diários de água (correspondendo a mais de 1/3 de todo o consumo do concelho) mas que obtém água dos aquíferos locais, fornecida pela própria autarquia a preços muito inferiores aos de qualquer munícipe (seria interessante aferir se esses aquíferos estão a servir para injectar água na rede pública ou, como é usual e ao arrepio das normas da ERSAR, continuam a abastecer a tal empresa). Uma empresa que “resolveu” o seu problema com os efluentes – em vez de apostar cabalmente no tratamento e reutilização da água que consome – o que onera todo o ambiente em especial nestas alturas críticas – descarregando no colector municipal, que por sua vez descarrega na Ribeira da Pantanha, ajudando a destruir o ambiente e milhões de metros cúbicos de água no Rio Mondego. Uma empresa que curiosamente pagava ao jurista que agora é presidente da Câmara.
Quando se ignora ou secundarizam propostas para a reabilitação de alguns depósitos inactivados por falta de manutenção ou para o levantamento cabal das infraestruturas de abastecimento e rejeição de água, quando se considera que reabilitar o sistema de tratamento de águas residuais passa por cobrir de brita nova um conjunto alargado de fossas sépticas em povoações que deviam ser ligadas a uma rede servida por ETAR, podemos bradar contra a falta de água de qualidade? Pelos vistos, sim.
O Ministro do Ambiente quando indica(va) o Município de Nelas como exemplo por ter encerrado as suas piscinas municipais (era interessante ver-se realmente todas as razões que levaram a desse encerramento) talvez não se devesse esquecer de todas as acções da Inspecção Geral do Ambiente, da Agência Portuguesa do Ambiente, da situação lamentável em termos ambientais que se verifica neste município, nos milhões de euros de dinheiro público que vão ser empatados para resolver problemas privados e do papel que a anterior Secretaria de Estado do Ambiente teve. Talvez fosse interessante transmitir a todos os portugueses que ajudar a destruir os recursos hídricos nunca pode ser considerado um bom exemplo. Se se informasse antes de voluntariamente dizer asneiras talvez não se arrependesse mais tarde, como já foi o caso, e o “racionamento de guerra” não fosse preciso.