Já aqui falei
da responsabilidade colectiva que todos temos e que não pode ser
desvalorizada no caso dos dramáticos incêndios florestais que este ano
ultrapassaram todos os limites. Mas falemos de outros.
Durante os últimos quase todos os Planos Directores Municipais,
instrumentos basilares do ordenamento territorial do país, foram
revistos. Nas comissões responsáveis por acompanhar esses importantes
documentos têm assento o Instituto de Conservação da Natureza e das
Florestas e a Autoridade Nacional de Protecção Civil, entidades com
particulares responsabilidades na área dos riscos e, muito
concretamente, nos incêndios florestais.
Basta consultar muitas das actas das reuniões de acompanhamento para
entender a relevância que muitas autarquias dão/davam à questão dos
riscos, da protecção civil e da segurança dos seus concidadãos, quase
sempre catalogadas com uma fitinha azul, como se estivesse numa urgência
hospitalar com triagem de Manchester.
Não será surpresa supor que nestas reuniões se verificava o recurso
os argumentos, de alguma validade, de que as disposições do Decreto-lei
124/2006, que regula a defesa da floresta contra incêndios, eram
disparatados e exagerados, que as “tolas” exigências – como, por
exemplo, ter de haver à volta de qualquer edificação em espaço rural e
num raio de 50 metros, uma área sem carga combustível significativa –
impediam o desenvolvimento económico e não eram justificáveis. Não se
pode invocar que basta que bombeiros tivessem acesso ao local – não
aceitando que estas disposições servem para protecção das
infraestruturas quando não há bombeiros. Não se pode defender ser
insensato haver uma faixa de contenção de 100 metros em redor das zonas
industriais porque os custos e a propriedade não o comportavam.
Isso levanta um problema de coerência e falta de memória quando os
que antes desvalorizavam essas questões agora se queixam da ANPC, do
Governo ou de quem quer que seja, e que também cometeram falhas (longe
de pensarem quais seriam as consequências, naturalmente).
A falta de rotina trágica, com poucas situações verdadeiramente
dramáticas, desleixa naturalmente estes assuntos e a análise colectiva a
estes é tentada a remete-los para o infortúnio, tão característica na
mitologia judaico-cristã, quer nas causas, quer nos efeitos. Esta falta
de prioridade é também reflexo de há muito não termos em terra pátria
uma agressão militar, como em quase toda a Europa, que obrigava os seus
cidadãos a uma organização pessoal metódica e à consciencialização de
que a sua acção pessoal – a dirigir-se para abrigos, por exemplo – pode
fazer toda a diferença. Mas neste Verão sofremos muito provavelmente a
pior agressão desde o terramoto de 1755 ou das Invasões Francesas. As
coisas terão obrigatoriamente de mudar.
Nos últimos dias os partidos políticos que apoiaram parlamentarmente o
anterior governo têm criticado a Protecção Civil, criticas essas
maioritariamente justas e isso só pode servir para nos dar alento. É que
Passos e Cristas, ao fazerem essas criticas estão igualmente a
criticar-se a si próprios e as políticas que seguiram. Não posso
acreditar que apenas criticam a mudança de lugares dirigentes porque
isso é algo que é feito há décadas e, admito algum esquecimento, o mais
relevante que fizeram no governo foi precisamente mudar pessoas. Essas
criticas são, objectivamente e por imposição legal, criticas também à
Protecção Civil municipal, base de todo o sistema e, pelas razões
anteriormente elencadas, pouco valorizada. São, portanto, criticas a
governos locais da responsabilidade dos seus partidos. É sinal, quero
acreditar, que também as palas que muitos usam, também arderam nos
últimos incêndios. É portanto um primeiro passo para assumirem os seus
próprios erros – depois de elencarem os do Primeiro-ministro, da
Ministra da Administração Interna, do Presidente da ANPC e do Comandante
Nacional – e para se criar o consenso nacional necessário para mudar
realmente as coisas.
Que a discussão que agora se iniciou também sirva para trazer para o
topo das prioridades, nos fogos mas não só – cheias, sismos, barragens,
emergência médica, etc, a preocupação com a segurança dos cidadãos por
parte de quem nos governa.